A Mulher Lilás

domingo, 19 de julho de 2009

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As Forças Armadas nas ruas

Arrepia-me todas as vezes que ouço alguém sugerindo que as Forças Armadas sejam responsáveis pela segurança publica, especialmente no Rio e Janeiro. Os Comunicadores e outros formadores de opinião “sem noção”, repetem um discurso cansativo e irresponsável. Só quem não viveu no Rio nos bons tempos em que se podia ir aos morros sem a menor preocupação com a violência ou perigo repetem estas sandices.Com certeza nas fileiras das Forças Armadas, “servindo” ao Exercito brasileiro, não estão seus filhos nem os filhos de personalidades influentes no cenário nacional. Procuro nas fileiras militares os soldados filhos de políticos, empresários, banqueiros e os encontro nas boates e praia do litoral armando confusões e repetindo:”Sabem com quem está falando ? ”.
Lembro-me ainda sem saudosismo, todos os domingos, após a missa na Cruzada pela Infância do Leme, duas adolescentes 13 e 15 anos se dirigiam ao morro de Santa Teresa, no centro da cidade.
Iam almoçar na casa do Tio Neves as costeletas de porco com farofa e maionese ou a famosa galinha ensopada e macarrão com queijo. Depois de saborear a sobremesa, era de praxe, visitar as outras tias de Hildinha, esse era o nome de uma das meninas. Respeitosamente, as duas entravam nos perseguidos Centros Espíritas e Terreiros de Candomblé, normalmente dirigidos por tias e tios a quem todos respeitavam, menos pelos poderes mágicos, mais pela afinidade de parentesco. Sempre que podiam, ficavam ate o término das Sessões para assistirem maravilhados os encontros dos “fundos de quintal”, onde ouviam em primeira mão os sambas de raiz, muitos dos quais futuros sucessos, ali ouviam também os “partidos-alto” e iam aprendendo a fazer rimas e a “dizer o samba no pé”.
Nas escolas publicas aconteciam as mais incríveis convivências.Filhos de políticos, empresários, médicos, dentistas, faxineiros, porteiros, ou motoristas não raramente, estavam sentados lado a lado nas salas de aulas e partilhavam as merendas oferecidas pelo governo.
Mingaus de sagu, macarrão com carne moída, mingaus de fubá macarrão com salsichas eram as delicias da garotada que repetia sempre. A Caixa Escolar, era incumbida de trazer o uniforme e o material escolar, aos que não podiam comprar e todos andavam impecavelmente limpos e escovados. Não é saudosismo.
A bem da verdade, o Rio de Janeiro era a Capital Federal e apesar de vivermos uma ditadura Estávamos na famosa Era Vargas e ainda não se roubava do social os desvios eram por contas de outras obras.
Observem as mudanças que ocorreram, e os atores sociais foram substituídos. O cenário nos morros já não é o mesmo, no entanto, os dramas e comedias continuam a acontecer, agora como incríveis e aceleradas seqüências de normas onde os personagens mais a necessidade dramática e os obstáculos criam os vários conflitos e as ações pensadas por um autor completamente louco, escrevendo muitas vezes perversamente, folhetins que parecem inverossímeis, baseados em historias inacreditáveis .
Os personagens em suas atuações, são o resultado da desordenada migração para a Cidade Maravilhosa, a necessidade dramática é o “jeitinho brasileiro” de sobreviver aos obstáculos que resultam no conflito necessário para as ações desencadeadas no dia a dia .
Vamos combinar que por exemplo as ações desastradas apontadas nas estripulias políticas do tal Cimento Social, acrescidas da promiscuidade de jovem oficial do Exercito com os traficantes deixaram bem claro que não tem nada a ver a intervenção das forças Armadas. É o conflito inútil.
As Forças Armadas não se prepararam quando podiam, com as Ações Sociais que dispunham ativas há tempos atrás, as ( Ação Cívico Social - ACISOS}.
Lamentavelmente os jovens que recentemente morreram para satisfazer vaidades, foram coadjuvantes que deixaram um grito preso na garganta e as mortes/vidas transformadas pela dor num enorme sentimento de injustiça. As favelas e comunidades continuarão a despejar obrigatoriamente nos quartéis os seus pobres meninos, negros e mestiços, nordestinos e atormentados. Alguns “comunicadores” continuarão arrogantes e burros vociferando nas emissoras de rádios que estão no ar com as nossas concessões. “Precisamos colocar as Forças Armadas nas ruas”.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Quem são os Poetas?

“Viajam. Vagam em lugares distantes onde os insensíveis mortais sequer supõem. Transportam-se em devaneios aos mundos que normalmente não se narram.Vivenciam sonhos de amores loucos platonicamente. Não raramente são muito amados e desejados sem perceberem e amam sem deixar transparecer. Assim, traem e são traídos tudo a sua maneira.
Estrangeiros, extravagantes, carecem sofrer de amor para não esgotar as fontes para os seus poemas doidos, escrachados, doídos e críticos. Com muito amor. A poesia nasce em suas almas todos os dias como o sol nasce para o mundo. Nem sempre falam de si ou contam as suas histórias. Dissimulam o que sentem. Seguem pela vida amando sempre muito, as vezes, trocando de pares, de ares e de lugares, num susto sob o fio da navalha entre a razão e a loucura, tão perigoso é viver poeticamente.
A precisão de estar só os fazem muitas vezes esquivos e incompreendidos. Quando chega o arrepio seguido do incontrolável desejo de copular com as rimas que sensualmente se expõem bailando no interior de sua alma, o coração pulsa forte, o sangue ferve e todo o corpo respondendo a explosão com o prazer total de contar em rimas.
São loucos e insuportáveis quando interrompidos no seu poetar. Ficam impacientes. Precisam ficar a sós com a pena e o papel retornando o amor a três. Iluminados necessitam das crises de introspecção para alimentar a chama e no silêncio ouvirem as suas vozes interiores . Aí ficam num canto taciturnos e macambúzios como enjeitados.
Outras vezes, tem a maior necessidade de ver gente, muita gente para captar-lhes os mistérios e segredos e saciar de verdades os seus poemas. Se abastecem de sonhos dourados e ressurgem agoniados. São ingênuos Quixotes parindo sôfregos os filhos do êxtases alucinado entre a pena e o papel, onde os Poetas são “voyers” inspecionando despudorados e atiçadores.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Passeios de Poeta



O Poeta sai às ruas, ainda preocupado com a má educação corrente. Logo cedo, ouve uma discussão entre membros de uma família que se xingam e uma criança, ainda pequena que chora magoada. A mãe sai apressada para o trabalho, o pai, sem paciência, resmunga enquanto se barbeia, o irmão mais velho do primeiro casamento da mulher, um adolescente, liga o som o mais alto possível para fugir daquele ambiente pesado. A empregada ainda não chegou. Tudo é um caos naquela casa. Roupa para lavar e passar, louça suja dentro da pia e sobre a mesa do café. O bebê ainda não fez a sua higiene; a criança do meio, alheia a tudo, está diante da TV sem, ao menos, ter lavado o rosto naquela manhã.O poeta revista esse pandemônio, e, sem nada a fazer, sai às ruas da cidade em busca da poesia. Caminha pelo corredor, cumprimenta o vizinho que o olha com cara de raiva. Como se perguntasse: “Bom dia por quê?” Entra no elevador e todos baixam o olhar como se escondendo de alguém que está feliz. O poeta pensa: “Parece gente procurada pelo programa “Linha Direta” do Domingos Meirelles, parece que a pessoa não quer ser identificada, não quer se expor ” - o poeta sorri com tristeza.Desce as escadas do Metrô, e quase é derrubado por um jovem estudante apressado. Entra no trem pela seta que indica ENTRADA, e é empurrado por um grupo que sai por ali, na contramão. Um outro grupo entra pela porta que indica SAÍDA.Ufa! Lá está ele, dentro do vagão. Observa os bancos de cor laranja, sempre ocupados por jovens, moças e rapazes que fingem dormir ou ler, pouco se importando com os idosos, deficientes ou gestantes, que envergonhados seguem em pé, muitas vezes em direção ao médico e/ou indo fazer um exame mais delicado por ter a sua saúde debilitada. O poeta indaga-se perplexo: Que educação é essa? Que mundo e esse? E faz mais um poema: “Eduque o seu berço”. Se não quer pagar um alto preço, e chorar para sempre desesperançado uma sugestão: “Eduque o berço”e o mundo agradece aliviado para que essa vida seja leve e o amor povoe esse mundo, ainda resta um gesto, mesmo breve atente uma criancinha, bem profundo deixe-a sentir-se na família amada. Não poupe o bom exemplo e o gesto bom. Lembre-se sempre: “a família é sagrada..” E formá-la nesse mundo é um bendito dom .





Os ladrões de Jardins

Um dia amanhece e eu ouço um ruído infernal de serras, enxadas e picaretas. Lá em baixo de minha janela, a menos de dois metros, do térreo estão eles, ocupados em destruir um jardim, em matar flores e árvores onde se aninhavam os pardais. Com esse covarde crime, os ladrões lá estavam sorridentes, com os olhos brilhando pela ganância desenfreada. Nos planos dos criminosos estava, construir ali uma garagem que lhes rendesse lucros, para que administrando o Condomínio, pudessem roubar mais e mais aumentando seus lucros, alugando vagas em fila indiana a menos de dois metros das moradias. Uma atitude vergonhosa, nojenta mesmo. A "comissão", depois de arrancar as plantas, flores e árvores, cobriu a área de cimento pintado de verde e denominaram de "área verde do Condomínio". Quanta boçalidade! Os moradores, patéticos e amedrontados com a quadrilha, não se expunham, continuavam se escondendo, cabisbaixos e calados. Evitavam encarar-me. Covardia, pura covardia.
Aquele jardim, agora é um monte de lixo. Expulsos, os pardais, os bem-te-vis, os beija-flores, as borboletas e as flores que alimentavam a cadeia da vida e perfumavam o espaço sob as janelas. A natureza violentada afastado o canto dos pássaros que incomodavam às suas consciências com os seus gritos de: “bem-te-vi”! - Viu o que, minha pequena ave? Os pombos também sumiram - e eles não ouviram mais: "corruptos... corruptos... corruptos".O gordo síndico desfilava sorridente, rodeado de mal intencionados puxa-sacos, que antes de assumirem cargos no condomínio, faziam escândalo até se uma criança pegasse uma flor. Agora, acabavam com o jardim, por ganância e corrupção. Reclamei no livro de ocorrência com o poema de Paulo Tapajós "Tempo de Quintais", o poeta citou o mesmo crime, a destruição dos jardins por ganância. Foi o bastante para que se levantassem contra mim, todas as calúnias, todas as injúrias e difamações. Eu também sou poeta e não fiquei indiferente ao roubo do jardim. Para disfarçar o seu horrendo crime, e suas torpes intenções de acabar com um jardim para fazer uma garagem, anunciaram aos desavisados que criariam ali, um "parquinho" para as “pobres criancinhas” do prédio. Falavam em violência e expunham as crianças às balas perdidas disparadas do outro lado do muro onde existe um "parquinho" e um campo de futebol, não ocupado pelos cidadãos, por covardia, por medo dos outros bandidos.O espaço para futebol no condomínio foi criado quase que exclusivamente para atender aos filhos do porteiro, dois adolescentes mal educados e muito feios que vieram acrescentar ao Rio de Janeiro, algo de muito ruim que já está instalado aqui para nosso desespero. No quarto, um idoso quase agoniza e, embora eu pedisse aos criminosos que parassem as obras até que ele melhorasse os argumentos não foram suficientes. Tinha que manter as janelas fechadas durante as obras por causa da poeira e do barulho e depois, as janelas continuariam fechadas devido a gritaria, o jogo de bola e as batidas propositais contra as paredes o que incomodavam sobremaneira o idoso doente. A bem da verdade, os bem-nascidos do prédio nunca desceram para incomodar aos outros moradores, até por uma questão de status eles não se misturavam. Ali em baixo da janela, substituindo a beleza de um jardim, o cantar dos pássaros e perambular das borboletas e beija- flores substituído pela presença escória humana que desde cedo aprende, com seus pais, que nada mais existe ao redor de seus umbigos. São esses seres humanos (?) que infelizmente, estarão no comando futuramente. Serão os corruptos que poderão ser os Síndicos de nosso país. Pobre condomínio chamado Brasil.Durante essa vivência em um condomínio lutei muito por aquele jardim, não me arrependi nem um segundo por ter reagido àquela violência. Lembrei-me da poesia de Eduardo Alves da Costa com o nome de: No caminho de Maiakovski onde ele retrata as angústias daquele poeta russo que matou-se porque perdeu todas as esperanças - “... Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim. Não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem pisam as flores matam nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles, entra em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta e já não podemos dizer nada...”.

Rachel de Queiroz uma mulher especial

Última entrevista concedida por Rachel de Queiroz à jornalista Marlene da Silva
A Jornalista entrevistou Rachel de Queirozem 30 de dezembro de 2002


Encontramos a escritora em seu amplo apartamento no Leblon, onde nos recebeu bem ao seu jeito alegre, divertido e carinhoso. A comitiva, composta pelo Jornalista Maurício Piauí, que nos proporcionou este encontro, o Presidente do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro Edir Meirelles e eu, além do fotógrafo Ivanhoé foi acolhida na sala de estar, onde Rachel nos acomoda e vai conversando, contando casos e nos passando valiosas informações sobre a história do Brasil e sobre a vida, em um bate-papo informal de amigos, velhos conhecidos. Louvou a iniciativa do nome: "Casa de Cultura Lima Barreto", e falou do seu carinho para com essa Casa. Nas afinidades com Edir Meirelles, disse ela ter sido casada com um goiano e ter vivido um bom tempo naquelas terras e que ainda se sente em casa, quando está por lá. A escritora confessa que gosta mais de ficar na Fazenda que possui em Quixadá no Ceará aos tumultos das cidades grandes. Da nota publicada no Jornal do Commércio, em setembro de 2002, que anunciava mais um romance seu para dezembro, cujo o título seria: "Noites de lua" ela, desmentiu esclarecendo que seus romances são gestados durante longos anos e que agora não estava escrevendo nada. Ensinou que quando escreve, cada vez que lê o romance, tem vontade de mexer, de modificá-lo em algum detalhe por isso demora muito para aprontá-lo; lembrou-se, com um sorriso, os tumultuados encontros com o editor José Olympio que só lhe dava três provas; depois disso, ele não a deixava desmanchar mais nada. Que quando começa a "bolar" uma história e seus personagens vão surgindo aí, então, passa a escrever. Lembra que está na profissão há mais de cinqüenta anos. Estando atualmente com 92 anos de idade, na realidade, são 76 anos como escritora. Disse que, quando encontra alguém lhe pedindo a receita para ser um escritor, ela lembra de Dom Ramón de Campoamor (filósofo e poeta espanhol-1817/1901) que dizia: "...primeiro você faz o título, o começo e depois o final. Perguntado sobre o meio ele respondia: "...No meio há que se por o talento."“Cada escritor tem o seu jeito". diz ela - que lembrou ter nascido em uma casa cheia de muitos livros. Sua mãe era uma grande leitora, mulher muito inteligente e culta que a preparou para a profissão, desde que ela começou a escrever. Muito cedo foi trabalhar em um jornal que acha ter sido a sua melhor escola. Aos dezesseis anos já estava escrevendo no "Ceará", um jornal de sua terra. "O livro ‘O Quinze’ foi sucesso. “Eu era muito novinha e a seca sempre foi um assunto constante.”
Rachel de Queiroz estreou na literatura em 1930, aos 19 anos, com o bem-sucedido Quinze", retratando a seca de 1915 no sertão cearense.
O jornalista Maurício Piauí lembrou o pseudônimo Rita Queluz, usado por Rachel, durante algum tempo quando começou a escrever nos jornais, e ela explicou que usou o tal pseudônimo por ter "vergonha'' de assinar com o nome verdadeiro. "- A Rita não durou muito tempo; acabei logo com ela" - brinca a escritora.

Rachel pede um cafezinho, e é prontamente atendida por uma das suas fiéis acompanhantes, sob o olhar atento de sua secretária Rozita. Falando sobre as eleições, Rachel diz achar o Presidente Lula muito simpático e inteligente e gente inteligente não se deixa enganar. Pela sua inteligência e personalidade forte, confia nele, mas, adverte: "- O Poder é o diabo! Tem que ter muito cuidado com os que o cercam... vamos ver," - e sorri, enigmática.Rachel dá receita da pamonha lá do Ceará, reafirma o seu amor ao Nordeste, dizendo ter saudade do pequi, exclama entusiasmada: "...traz o pequi e eu faço uma festa!!!". Rachel passa a falar de Goiás, sobre as suas potencialidades, falam da construção de Brasília e nos dá uma aula de Brasil. Da Academia Brasileira (de Letras), Rachel admite que gosta muito da convivência. Antes de entrar, pensava que o pessoal lá era muito "metido".Respondendo ao Edir Meirelles sobre a quebra da hegemonia em relação a não existência de mulheres na Academia ela nos conta: "- Eu não tive nada com isso. Fui apenas um instrumento que eles usaram - O Adonias Filho, o Arnaldo Niskier e outros, conseguiram acabar com aquela situação ali existente; eu entrei e abri caminho para outros segmentos".Fala do jornalista Assis Chateaubriand com entusiasmo e saudade. Diz que: "- ele, era feito de defeitos e qualidades; mas, na realidade foi um pioneiro, um desbravador da televisão, no Brasil." Lembra dele como uma grande figura humana e que a considerava muito. Quando soube que ela ganhava pouco, pelo seu trabalho na revista "O Cruzeiro" mandou aumentar o salário dela e sempre a pagou em dia. Rachel escreveu na última página desta revista durante vinte anos. Da sua prisão, na época da ditadura Vargas, a escritora admite que não foi maltratada, uma vez que, já era bem conhecida como jornalista e escritora e o fato de ser mulher a ajudou muito. Fomos interrompidos pelo telefone celular do fotógrafo e Rachel aproveita para confessar que não gosta de celular. Diz que, apesar de ter ganhado um, há bastante tempo, não o usa, pois não se adaptou com a novidade. Fala da irmã, Maria Luiza de Queiroz Salequi, também escritora, fala com olhos brilhantes e muito carinho. "Ela é a filha que eu não tive. Nunca faltou a ela o nosso carinho. Quando ela nasceu, eu tinha dezesseis anos”. Conta-nos que a criou desde pequenina, quando sua mãe faleceu, e até mocinha, quem confeccionava e bordava os vestidinhos de Maria Luiza era ela, Rachel, a quem a irmã chama até hoje de "minha Teté".
Neste clima de suavidade e paz, vamos nos despedindo de Rachel, que, em tom jocoso nos "ameaça" sorrindo: “- Não vão não... vocês vão passar um calor horrível lá fora... não vão não.... essa conversa tá tão boa..." . Pois é, quase não resistimos aos apelos sedutores de Rachel, que nos convidou para outra visita o mais breve possível.

Carnaval palco da vida

Entro no Metro rumo ao Sambódromo. É domingo de carnaval. Mergulho nos meus pensamentos, apesar da grande movimentação. O trem vazio me dá a oportunidade de observação maior ao meu redor. Os passageiros, sem pressa vão ocupando os lugares vagos. Começo a minha análise. Tento entender suas histórias e seus motivos. A gorda senhora sorridente e bem vestida com seu bonezinho, só usado em ocasiões especiais e festivas. O menino “arrumadinho” que me parece passear, indo e vindo pendurando-se nos balaustres. Era esta a sua maneira de festejar, pouco se importando com o carnaval. Custo a identificar os seus acompanhantes, o menino está absolutamente solto. Quem sabe o seu “dono” seria aquele senhor recostado no canto da janela, cochilando e tentando deixar claro que não faz parte daquilo tudo. Festejos, carnaval, criança maluquinha e tudo mais. Ele quer apenas dormir. Um casal, denotando um casamento caído na rotina reluta em entrar no clima de carnaval. O que estariam fazendo ali aqueles dois seres humanos, irados no domingo de carnaval? Enquanto um adolescente rebelde sem causa com o rádio em volume muito alto, ouve um funk e bate no banco com um chaveiro sacolejando a cabeça e os ombros. O que estaria pensando aquela jovem loura com raiz preta, muito maquiada com seu shortinho “Carla Perez” enfiado no traseiro. Ah! Agora entendi, ela tenta ser a maior atração do vagão. Faz caras e bocas se estica e empina o bumbum exageradamente, enquanto executa várias ações:Masca chicletes, examina as coxas, puxa o minúsculo top que lhe cobre os fartos seios e dá trancos na nuca, jogando os cabelos, tudo isso alternando os movimentos.
É o dia de glória. Sem trocadilhos chegamos a estação da Glória. Entra um negro magro, alto e imponente. Como se dizia antigamente “um príncipe etíope”. De bermudas, camiseta promocional e tênis surrado. Carregando nas mãos um grande saco plástico que cuidava com muito desvelo. Sentou-se em um banco lateral Ao lado da simpática senhorinha de boné festivo. Ela o recebeu com o sorriso aberto afastando-se para dar espaço. O belo negro correspondeu ao gesto e aceitou a gentileza. Não perdeu tempo e, abrindo a sacola, retirou uma bota dourada de cano alto, nº46 com certeza. Calçou um pé, examinou o efeito causado aos demais, olhou em volta com ar orgulhoso e sorriu para si. A senhorinha do boné festivo, também, não perdeu a oportunidade e perguntou: - Vai desfilar? Era a senha para começar uma conversa muito interessante. O homem passou a explicar a sua fantasia e o enredo de sua Escola. Animado, com a audiência conseguida retirou também, a fantasia. Calção bufante de lamê azul, malha branca colante, jaqueta azul e branca rebordada em pedras e fios dourados. Tirou também um chapéu com plumas azuis e brancas. Explicou, conforme aprendera, o significado de sua fantasia dentro do enredo da Escola de Samba consagrada e justificou o título complicado do Samba enredo “ Sob o céu azul do meu pais , a Corte enamorada vem cantar”. Fiquei pensando: O que queriam dizer com isso? Seria este o “Samba do crioulo doido”? Que Corte estava enamorada? Sobre isso o que sabemos não é nada disso. Bem, voltemos ao vagão do Metrô. A jovem “louruda” continuava seu show, olhando com ar de desdém para aquele “negão” entusiasmado que tirara a atenção do seu público. Ela insistia em aparecer e empinou-se, espichou-se mais ainda no intuído de sentir as reações e os olhares. O moleque continuava assoviando e cantando , agora um “ rap” com aconselhamentos do Gabriel Pensador, sobre a “Maresia”. O senhor, “dono” do molecote inquieto, continuava a dormitar. Olhava de vez enquanto e dava muxoxos incomodados. O casal trocava olhares raivosos. Ele olhava de soslaio o bumbum da “loura” . Ela, por sua vez, com os braços cruzados, bufava e espumava enquanto observava a cena. A garota se esforçava e teimava em ficar de pé se roçando nos balaustres. O Metro, vomitava mais gente enquanto engolia outras à sua passagem, de estação em estação. Logo o trem seguirá quase vazio em busca de novas personagens com suas histórias pessoais. Seguimos até ao Sambódromo na Praça Onze, Marques de Sapucai e nos perdemos na saudável confusão da concentração das Escolas de Samba, perfumados com a fumaça dos c churrasquinhos e dos fogos. Nada chama a atenção. Ninguém se importa com as figuras bizarras circulantes. Hoje é carnaval e, apenas eu em minha teimosia, tento ler pessoas naquele instante. É como se todos estivessem guardados em um Museu de Cera durante o ano inteiro. Como diz um amigo meu. " Essas figuras só saem na rua no carnaval”. As caras, verdadeiras máscaras, os dramas e comédias, os traseiros que são, segundo ele, “as bundas de carnaval” enormes mal feitas e engraçadas. pois o Carnaval ‘e o palco da vida de sábado até quarta-feira de cinzas.

Marlene Olympio