A Mulher Lilás

domingo, 25 de janeiro de 2009

O pão -duro

Andava enjoado de sua mulher. Não conversavam mais e seus contatos era apenas para atender às reclamações de ambas partes. Ele era um subtenente de Quadro Auxiliar do Exército
Iniciara a carreira como soldado. Em breve seria um oficial, assim sendo, já se comportava como um preferido dos deuses. Roberto, era esse o nome dele, era o tipo do falso moralista. Andava empertigado, seu uniforme impecavelmente cuidado. Obra da Dona Encrenca, como ele se referia ao falar de Ivonilda, nordestina como ele. Ela era uma caboclinha miúda, magrelinha de gosto duvidoso para se vestir. Falava alto, com sotaque e pronúncias erradas em certas situações. Não raramente ouvia-se de sua boca: “espermenta”, “menas”, “seje”, “teje”, “estombro”, “figodo” e por aí. Tinham dois filhos também esmirrados como a mãe, os quais o pai preparava para o Colégio Militar. Ah! ia me esquecendo. Tinham uma filha adolescente bem acaboclada, que ostentava uma cabeleira loura, impressionantemente amarela e se vestia com roupas de marca realçando o “corpitcho” tipo Joelma da Banda Calipso.
Todas as manhãs, ele saia de casa, em Cascadura no seu impecável Corcel II e descia automaticamente em direção à cidade beirando a via férrea subúrbio a subúrbio, parando e andando, ouvindo o noticiário levemente irritado com o trânsito.
Chegava no portão da “Unidade”, assim gostava de chamar o Quartel em que passava ociosamente os seus dias, contando o tempo para reformar-se. Orgulhosamente correspondia ao cumprimento do subordinado, o soldado que guarnecia o portão do quartel. O sentinela. Já fora excelente datilógrafo, atualmente, devido ao seu posto passava o expediente inteiro lendo Boletins e Documentos inúteis. Era agora um “ledor” conforme ele mesmo se designava.
Toda as quartas-feiras, quando o expediente terminava ao meio-dia, despedia-se dos seus companheiros e ia encontra-se com
Almerinda e passavam horas da tarde em um Motel de segunda categoria do Centro da cidade, para o doce esporte da traição. Ela, casada com um porteiro, trabalhava em Copacabana como diarista e ali residia no prédio em que o seu companheiro trabalhava.
Até aí tudo bem para os dois. Mas, havia um ritual nesses encontros. Ele exigia que ela levasse para o quarto do motel o almoço dos dois para economizar, assim teriam que dividir apenas a estadia de uma hora que sempre usavam.
Sendo um estabelecimento de segunda categoria e o gerente sabendo de quem se tratava, fazia vistas grossas. Os dois chegavam à pé se esgueirando pelos cantos das ruas sujas do Centro do Rio. Ele sempre estava apressado e ela sempre assustada.
As vezes ele a esperava dentro do prédio para disfarçar o encontro.Lá vinha Almerinda. Dentro das proporções, um “mulherão” como ele gostava de contar para os companheiros de farda. Mulher simpática, porém sem atrativos especiais, a não ser o seu porte: ombros e quadris largos e peitos grandes. A mulher carregava sempre uma sacola de Supermercado de papel, uma bolsa pequena para chave e dinheiro para o ônibus. Dentro da bolsa, arrumados caprichosamente, dois “pratos feitos” amarrados com uma toalha de pratos, talheres, laranjas descascadas e até um pãozinho.
Geralmente, ela já o encontrava no saguão. Tudo muito rápido, sem tempo a perder.
Naquela quarta-feira, porém, ele ia se atrasar. Avisou que ela não entrasse no motel, pois poderia haver um contratempo e não dar para ele estar lá.
Quarta-feira 13 horas, Almerinda, andava de um lado para o outro na calçada em frente ao Motel. Ele demorava a aparecer. Ela consultava o relógio nervosamente. Uma hora depois, surge Roberto suando, disfarçando e sinalizando para que a mulher entrasse no motel disfarçadamente. Ela atravessou a rua apressada, na mão a bolsa de supermercado, já suada devido o tempo em que acomodava a merenda. Almerinda colocou o pé no carpete do motel, onde se lia: ”Sejam bem vindos”. Ali, eis que o fundo da bolsa se rompe e o delicioso almoço cai no batente, quebrando os pratos e as duas cervejas estupidamente geladas. Tudo escorrendo pela calçada. Parecia uma oferenda mal resolvida para um Exu debochado. Nas mãos apenas as alças da sacola.
No corpo, um desespero enorme, uma vontade de sumir em um buraco bem fundo. Chorar não deveria. Rir nem pensar. Levantou os olhos e deparou com o valente soldado desesperado também, escondido dentro do motel, acobertado pelo porteiro que a tudo observava com o olhar divertido. Quando bem entendeu, o empregado se dignou a mandar um servente limpar aquela nojeira que ficou exposta ali para a curiosidade dos desocupados e deboche dos pedintes que lamentavam o desperdício das fatias de carne assada com molho ferrugem, a farofa, agora toda encharcada. E as “geladinha” ? dava até raiva.
A mulher abandonou o local às pressas e assustada. Perguntava-se: “E se o Raimundo meu esposo ou algum amigo dele tivesse passando por ali naquele instante?” Que encrenca.
Por sua vez, o suboficial já estava longe dali, retornando frustrado em direção a Cascadura para almoçar em casa, com aquele ar hipócrita de bom provedor que representava tão bem.
Ao chegar em casa, não encontrou a D. Encrenca. Ela havia descido para a cidade como fazia todas as quartas-feiras à tarde.

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