A Mulher Lilás

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Rachel de Queiroz uma mulher especial

Última entrevista concedida por Rachel de Queiroz à jornalista Marlene da Silva
A Jornalista entrevistou Rachel de Queirozem 30 de dezembro de 2002


Encontramos a escritora em seu amplo apartamento no Leblon, onde nos recebeu bem ao seu jeito alegre, divertido e carinhoso. A comitiva, composta pelo Jornalista Maurício Piauí, que nos proporcionou este encontro, o Presidente do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro Edir Meirelles e eu, além do fotógrafo Ivanhoé foi acolhida na sala de estar, onde Rachel nos acomoda e vai conversando, contando casos e nos passando valiosas informações sobre a história do Brasil e sobre a vida, em um bate-papo informal de amigos, velhos conhecidos. Louvou a iniciativa do nome: "Casa de Cultura Lima Barreto", e falou do seu carinho para com essa Casa. Nas afinidades com Edir Meirelles, disse ela ter sido casada com um goiano e ter vivido um bom tempo naquelas terras e que ainda se sente em casa, quando está por lá. A escritora confessa que gosta mais de ficar na Fazenda que possui em Quixadá no Ceará aos tumultos das cidades grandes. Da nota publicada no Jornal do Commércio, em setembro de 2002, que anunciava mais um romance seu para dezembro, cujo o título seria: "Noites de lua" ela, desmentiu esclarecendo que seus romances são gestados durante longos anos e que agora não estava escrevendo nada. Ensinou que quando escreve, cada vez que lê o romance, tem vontade de mexer, de modificá-lo em algum detalhe por isso demora muito para aprontá-lo; lembrou-se, com um sorriso, os tumultuados encontros com o editor José Olympio que só lhe dava três provas; depois disso, ele não a deixava desmanchar mais nada. Que quando começa a "bolar" uma história e seus personagens vão surgindo aí, então, passa a escrever. Lembra que está na profissão há mais de cinqüenta anos. Estando atualmente com 92 anos de idade, na realidade, são 76 anos como escritora. Disse que, quando encontra alguém lhe pedindo a receita para ser um escritor, ela lembra de Dom Ramón de Campoamor (filósofo e poeta espanhol-1817/1901) que dizia: "...primeiro você faz o título, o começo e depois o final. Perguntado sobre o meio ele respondia: "...No meio há que se por o talento."“Cada escritor tem o seu jeito". diz ela - que lembrou ter nascido em uma casa cheia de muitos livros. Sua mãe era uma grande leitora, mulher muito inteligente e culta que a preparou para a profissão, desde que ela começou a escrever. Muito cedo foi trabalhar em um jornal que acha ter sido a sua melhor escola. Aos dezesseis anos já estava escrevendo no "Ceará", um jornal de sua terra. "O livro ‘O Quinze’ foi sucesso. “Eu era muito novinha e a seca sempre foi um assunto constante.”
Rachel de Queiroz estreou na literatura em 1930, aos 19 anos, com o bem-sucedido Quinze", retratando a seca de 1915 no sertão cearense.
O jornalista Maurício Piauí lembrou o pseudônimo Rita Queluz, usado por Rachel, durante algum tempo quando começou a escrever nos jornais, e ela explicou que usou o tal pseudônimo por ter "vergonha'' de assinar com o nome verdadeiro. "- A Rita não durou muito tempo; acabei logo com ela" - brinca a escritora.

Rachel pede um cafezinho, e é prontamente atendida por uma das suas fiéis acompanhantes, sob o olhar atento de sua secretária Rozita. Falando sobre as eleições, Rachel diz achar o Presidente Lula muito simpático e inteligente e gente inteligente não se deixa enganar. Pela sua inteligência e personalidade forte, confia nele, mas, adverte: "- O Poder é o diabo! Tem que ter muito cuidado com os que o cercam... vamos ver," - e sorri, enigmática.Rachel dá receita da pamonha lá do Ceará, reafirma o seu amor ao Nordeste, dizendo ter saudade do pequi, exclama entusiasmada: "...traz o pequi e eu faço uma festa!!!". Rachel passa a falar de Goiás, sobre as suas potencialidades, falam da construção de Brasília e nos dá uma aula de Brasil. Da Academia Brasileira (de Letras), Rachel admite que gosta muito da convivência. Antes de entrar, pensava que o pessoal lá era muito "metido".Respondendo ao Edir Meirelles sobre a quebra da hegemonia em relação a não existência de mulheres na Academia ela nos conta: "- Eu não tive nada com isso. Fui apenas um instrumento que eles usaram - O Adonias Filho, o Arnaldo Niskier e outros, conseguiram acabar com aquela situação ali existente; eu entrei e abri caminho para outros segmentos".Fala do jornalista Assis Chateaubriand com entusiasmo e saudade. Diz que: "- ele, era feito de defeitos e qualidades; mas, na realidade foi um pioneiro, um desbravador da televisão, no Brasil." Lembra dele como uma grande figura humana e que a considerava muito. Quando soube que ela ganhava pouco, pelo seu trabalho na revista "O Cruzeiro" mandou aumentar o salário dela e sempre a pagou em dia. Rachel escreveu na última página desta revista durante vinte anos. Da sua prisão, na época da ditadura Vargas, a escritora admite que não foi maltratada, uma vez que, já era bem conhecida como jornalista e escritora e o fato de ser mulher a ajudou muito. Fomos interrompidos pelo telefone celular do fotógrafo e Rachel aproveita para confessar que não gosta de celular. Diz que, apesar de ter ganhado um, há bastante tempo, não o usa, pois não se adaptou com a novidade. Fala da irmã, Maria Luiza de Queiroz Salequi, também escritora, fala com olhos brilhantes e muito carinho. "Ela é a filha que eu não tive. Nunca faltou a ela o nosso carinho. Quando ela nasceu, eu tinha dezesseis anos”. Conta-nos que a criou desde pequenina, quando sua mãe faleceu, e até mocinha, quem confeccionava e bordava os vestidinhos de Maria Luiza era ela, Rachel, a quem a irmã chama até hoje de "minha Teté".
Neste clima de suavidade e paz, vamos nos despedindo de Rachel, que, em tom jocoso nos "ameaça" sorrindo: “- Não vão não... vocês vão passar um calor horrível lá fora... não vão não.... essa conversa tá tão boa..." . Pois é, quase não resistimos aos apelos sedutores de Rachel, que nos convidou para outra visita o mais breve possível.

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